O Café com Trabalho é um blog informativo e opinativo, voltado principalmente ao operador do direito que atua na área trabalhista, bem como aos que pretendem ingressar em carreiras trabalhistas e aos que atuam na área de recursos humanos. É uma grande oportunidade de compartilhar conhecimentos, objetivando sintetizar estudos aprofundados em direito e processo do trabalho, bem como comentários sobre as principais decisões do TST.


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

FORNECIMENTO DE CAFÉ DA MANHÃ – NATUREZA DA VERBA


                                   Introdução




A legislação trabalhista não estabelece a obrigação do empregador em fornecer café da manhã à seus empregados. Geralmente, esse direito é adquirido através de negociação coletiva ou por meio de ajuste individual entre as partes contratantes.


Contudo, ao se fornecer o café da manhã, a empresa deve atentar se este benefício possui natureza indenizatória ou salarial, pois se comprovado que essas parcelas possuem natureza salarial, irão literalmente fazer parte do salário, tendo o trabalhador direito aos seus reflexos nos recolhimentos de FGTS e INSS, nos pagamentos de férias + 1/3, 13º salário, e aviso prévio.


De acordo com o art.458 da CLT, constitui-se salário in natura todo aquele pagamento habitual fornecido pelo empregador ao trabalhador, seja por força de contrato, de norma coletiva ou até mesmo por costume, e que tenha como objetivo atender a uma necessidade do empregado.


Art. 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações "in natura" que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. (...)


Portanto, dependendo da forma como o benefício “café da manhã” é fornecido pela empresa ao trabalhador, ele pode adquirir a natureza salarial ou indenizatória.

                                   

                                   

                                    Caracterização do Salário Utilidade



 
Segundo Godinho Delgado (2014:773) há requisitos à configuração do salário utilidade, sem cuja presença a parcela fornecida não se considera como parte integrante do salário contratual obreiro.


Os requisitos centrais do salário-utilidade, capturados pela doutrina e jurisprudência do conjunto da ordem justrabalhista, são, essencialmente, dois: o primeiro diz respeito à habitualidade (ou não) do fornecimento do bem ou serviço; o segundo relaciona-se a causa e objetivos contraprestativos deste fornecimento.


Há um terceiro requisito eventualmente mencionado na doutrina e jurisprudência, embora seja bastante controvertido. Ele concerne à amplitude da onerosidade do fornecimento perpetrado.



Da habitualidade do fornecimento




No tocante ao primeiro requisito, habitualidade do fornecimento, a jurisprudência já pacificou que o fornecimento do bem ou serviço tem de se reiterar ao longo do contrato, adquirindo caráter de prestação habitual, para que se confira à conduta o caráter de pagamento salarial. A efetivação meramente esporádica do fornecimento (isto é, uma concessão meramente eventual) não gera obrigação contratual ao empregador.



Caráter contraprestativo do fornecimento




Quanto ao segundo requisito, caráter contraprestativo do fornecimento, é preciso que a utilidade seja fornecida preponderantemente com o intuito retributivo, como um acréscimo de vantagens contraprestativas ofertadas ao empregado. Se as causas e objetivos contemplados com o fornecimento forem diferentes da ideia de retribuição pelo contrato (contraprestação, portanto), desaparece o caráter salarial da utilidade ofertada.


Nesse quadro, não terá caráter retributivo o fornecimento de bens ou serviços feito como instrumento para viabilização ou aperfeiçoamento da prestação laboral. É claro que não se trata, restritivamente, de essencialidade do fornecimento para que o serviço possa ocorrer; o que é importante, para a ordem jurídica, é o aspecto funcional, prático, instrumental, da utilidade ofertada para o melhor funcionamento do serviço. A esse respeito, já existe clássica formula exposta pela doutrina, com suporte no texto do velho art. 458, paragrafo segundo, da CLT (hoje, art. 458, paragrafo segundo, I, da CLT): somente terá natureza salarial a utilidade fornecida pelo trabalho e não para o trabalho.


Nessa linha, não consistirá salário-utilidade o bem ou serviço fornecido pelo empregador ao empregado como meio de tornar viável a própria prestação de serviços. É o que se passa, por exemplo, com a concessão de alimentação em trabalho em plataformas maritímas ou em frentes de trabalho situadas em locais inóspitos ou longínquos.


Também não consistirá salário-utilidade o bem ou serviço fornecido como meio de aperfeiçoar a prestação de serviços. É o que se verifica com o fornecimento de curso de informática ao empregado, se necessário ao serviço; ou o fornecimento de veículo ao obreiro, para serviço de vendas externas, etc.


Na mesma medida, também não constituíra salário-utilidade o bem ou serviço ofertado em cumprimento de dever legalmente imposto ao empregador, como é o exemplo o fornecimento de vale-transporte.



Da onerosidade unilateral da oferta da utilidade no contexto empregatício




Quanto ao terceiro requisito, qual seja, da onerosidade unilateral da oferta da utilidade no contexto empregatício, a jurisprudência, o considera conduta técnico-jurídico extremamente controvertida.


Esse requisito seria expresso pela seguinte fórmula: fornecimento da utilidade com onerosidade unilateral pelo empregador, sem participação econômica obreira. À luz desse entendimento, o pacto de oferta do bem teria de ser do tipo gracioso, isto é, suportado por apenas uma das partes contratuais, o empregador. É que se a concessão da utilidade proceder-se mediante contraprestação econômica do empregado (ainda que subsidiada), ela deixará de ter caráter estritamente contraprestativo, no tocante a este trabalhador. Desse modo, utilidade recebida pelo empregado em decorrência de certo pagamento (ainda que pequeno) afastar-se-ia da configuração do salário in natura.


Em síntese, apenas teria caráter de parcela salarial a utilidade ofertada sob exclusivo ônus econômico do empregador. É que somente nesse caso ela teria efetivo caráter contraprestativo, não resultando de um pacto adjeto em que o próprio trabalhador comparecesse com uma contraprestação econômica pela oferta do bem.


É necessário, entretanto, reiterar-se que a validade deste suposto requisito tem sido bastante questionada por parte expressiva da doutrina e jurisprudência. São dois os principais argumentos contrários a tal requisito: em primeiro lugar, a circunstância de ser imperiosa a própria tipificação do requisito, uma vez que não se sabe até que ponto o montante de pagamento obreiro poderia significar efetiva participação do trabalhador nos custos do fornecimento da utilidade, e não mera simulação trabalhista. Em segundo lugar, a circunstância de a adesão do trabalhador a esse pacto acessório de fornecimento da utilidade subsidiada poder ser fruto de contingenciamento da vontade do empregado no contexto da relação empregatícia.



Do papel da norma jurídica concessora da utilidade




Esclareça-se a respeito da caracterização do salário utilidade, finalmente, em ultimo relevante aspecto: a norma jurídica (não a cláusula contratual) pode fixar – desde que inequivocadamente - natureza jurídica não salarial para uma utilidade fornecida.


A norma jurídica contida em lei, instrumento normativo coletivamente negociado ou sentença normativa pode negar caráter salarial a serviço ou bem que estipula poder (ou dever) ser ofertado pelo empregador ao empregado. Assim, estipulando a norma jurídica, não há como retirar-se validade à natureza não salarial da utilidade fornecida.


Entretanto, é preciso que fique bem clara a presente situação de exceção: a norma jurídica tem de esterilizar , naquele especifico caso, a incidência do tipo legal padrão do salário-utilidade. Inexistindo esse sentido esterilizador na norma jurídica instituidora da parcela (sentido expresso ou, pelo menos, inequívoco), a utilidade ofertada deverá ter sua natureza jurídica apreendida segundo as regras gerais justrabalhistas acima enunciadas – assumindo, pois a natureza salarial, caso estejam presentes em sua configuração os requisitos já analisados.



Jurisprudência




Em pequisa ao site do Tribunal Superior do Trabalho, constatei que há entendimentos divergentes quanto a natureza do benefício.


JURISPRUDÊNCIA FAVORÁVEL

TST AFASTA CARÁTER SALARIAL DE CAFÉ MATINAL OFERECIDO POR EMPRESA
Fonte: Notícias TST - 08.11.2005
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou o caráter salarial do café matinal oferecido pela Agip do Brasil S/A a empregados. A Turma adotou nova orientação sobre os casos em que o empregador concede alimentação e efetua desconto salarial irrisório para custeá-la. Sob esse novo entendimento, a Turma tem considerado que qualquer contribuição do empregado, ainda que ínfima, é suficiente para afastar a natureza salarial da parcela.
No caso julgado, a Agip descontava do salário de um entregador de botijões de gás um centavo de real por mês por lhe fornecer todas as manhãs um copo de café com leite e um sanduíche. Na ação trabalhista que moveu contra a empresa após ser demitido sem justa causa, o trabalhador pediu, entre outros itens, que o valor do café matinal (R$ 1,80 por dia, segundo sua própria estimativa) fosse computado em seu salário para todos os efeitos e reflexos legais.
Segundo o ministro Antonio José Barros Levenhagen, decisões judiciais que apontam o caráter salarial de benefícios acabam servindo de desestímulo ao empregador. “Se o empregador fornece o café da manhã, corre o risco de ver o benefício transformar-se em salário direto. Se efetua um desconto irrisório no salário do empregado para custear o benefício, pode ser acusado de estar fraudando a CLT. Com isso, vai desistir de conceder qualquer benefício”, salientou Levenhagen.
O pedido do entregador de botijões de gás foi rejeitado em primeira instância. Na sentença da 2ª Vara do Trabalho de Canoas, o juiz concluiu que, embora em valor ínfimo, o empregado também custeava o benefício, que representa uma vantagem para quem trabalha cedo, não sendo razoável onerar o empregador por concedê-la. A sentença foi reformada nesse ponto pelo TRT do Rio Grande do Sul (4ª Região).

O TRT/RS determinou que o valor do café da manhã fosse integrado ao salário do trabalhador por considerar caracterizado salário in natura, uma vez que o desconto mensal de um centavo revelaria, tão somente, a intenção da Agip de afastar a previsão legal (artigo 82 da CLT), fraudando um direito. O dispositivo celetista estabelece a fórmula para cálculo das parcelas do salário pagas in natura.
Ao reformar a decisão regional, a Quarta Turma do TST considerou que a concessão da alimentação não foi ônus econômico exclusivo do empregador, o que a desfigura como salário in natura. De acordo com o ministro Levenhagen, a utilidade recebida pelo empregado implicou desconto de seu salário, sendo irrelevante que tenha sido ínfima a participação do empregado, pois o dispositivo legal não faz tal distinção. (RR 96190/2003-900-04-00.5)


JURISPRUDÊNCIA DESFAVORÁVEL

"SALÁRIO IN NATURA - DESCONTOS IRRISÓRIOS - NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA SALARIAL. O desconto irrisório, ínfimo, no salário do empregado, a título de alimentação, é incapaz de descaracterizar a natureza salarial da parcela in natura, notadamente porquanto tal expediente denota a exclusiva intenção do empregador de impedir sua repercussão em outras parcelas a que faz jus o trabalhador, o que esbarra no artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido." (RR-934-05.2011.5.09.0322, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, DEJT 06/03/2015)

"ALIMENTAÇÃO FORNECIDA PELO EMPREGADOR MEDIANTE DECONTO IRRISÓRIO NO SALÁRIO DO EMPREGADO. SALÁRIO IN NATURA. NÃO CONFIGURAÇÃO. O desconto irrisório procedido no salário do empregado é insuficiente para descaracterizar a natureza salarial da alimentação fornecida, demonstrando, ao revés, procedimento tendente a impedir a aplicação dos arts. 457 e 458 da CLT." (RR-174800-19.2008.5.09.0594, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, DEJT 05/08/2011)

"SALÁRIO UTILIDADE. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO. DESCONTO ÍNFIMO. Esta Corte tem firmado o posicionamento de que o desconto ínfimo no salário do empregado, a título de alimentação, não descaracteriza a natureza da parcela. Precedentes. Não conhecido." (RR - 2127700-62.2007.5.09.0014, Rel. Min. Emmanoel Pereira, 5ª Turma, DEJT 19/08/2011)



Do Benefício Café da Manhã fornecido pela Empresa




Diante de todo o exposto, com relação ao benefício “café da manhã” fornecido pela empresa aos seus empregados, temos algumas considerações a fazer.


No intuito de evitar a caracterização como salário in natura, uma alternativa seria a negociação do benefício em instrumento coletivo aplicável à categoria, com a previsão de caráter indenizatório ao mesmo.


Outra alternativa, seria a cobrança de contraprestação econômica pelo benefício ao empregado, em valor que não pode ser ínfimo, como exemplo a cobrança de R$ 0,01 (um centavo) por lanche, descaracterizando a onerosidade unilateral da utilidade. Destaca-se que o empregado terá que autorizar o desconto em seu salário para o fornecimento da utilidade.


Por fim, cumpre observar que a previsão em negociação coletiva e/ou regulamento interno somente abrangeria os novos empregados, conforme súmula 51 e OJ 413 do TST


SÚMULA Nº 51 DO TST. NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT.
I – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.
II – Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro.


OJ 413 SDI-1. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. ALTERAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA. NORMA COLETIVA OU ADESÃO AO PAT. A pactuação em norma coletiva conferindo caráter indenizatório à verba ―auxílio-alimentação‖ ou a adesão posterior do empregador ao Programa de Alimentação do Trabalhador — PAT — não altera a natureza salarial da parcela, instituída anteriormente, para aqueles empregados que, habitualmente, já percebiam o benefício, a teor das Súmulas nos 51, I, e 241 do TST.


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