Introdução
A
legislação trabalhista não estabelece a obrigação do empregador
em fornecer café da manhã à seus empregados. Geralmente, esse
direito é adquirido através de negociação coletiva ou por meio de
ajuste individual entre as partes contratantes.
Contudo,
ao se fornecer o café da manhã, a empresa deve atentar se este
benefício possui natureza indenizatória ou salarial, pois se
comprovado que essas parcelas possuem natureza salarial, irão
literalmente fazer parte do salário, tendo o trabalhador direito aos
seus reflexos nos recolhimentos de FGTS e INSS, nos pagamentos de
férias + 1/3, 13º salário, e aviso prévio.
De
acordo com o art.458 da CLT, constitui-se salário in
natura todo aquele pagamento habitual fornecido pelo empregador
ao trabalhador, seja por força de contrato, de norma coletiva ou até
mesmo por costume, e que tenha como objetivo atender a uma
necessidade do empregado.
Art.
458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no
salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação,
vestuário ou outras prestações "in natura" que a
empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente
ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com
bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. (...)
Portanto,
dependendo da forma como o benefício “café da manhã” é
fornecido pela empresa ao trabalhador, ele pode adquirir a natureza
salarial ou indenizatória.
Caracterização do Salário Utilidade
Segundo Godinho
Delgado (2014:773) há requisitos à configuração do salário
utilidade, sem cuja presença a parcela fornecida não se considera
como parte integrante do salário contratual obreiro.
Os requisitos
centrais do salário-utilidade, capturados pela doutrina e
jurisprudência do conjunto da ordem justrabalhista, são,
essencialmente, dois: o primeiro diz respeito à habitualidade
(ou não) do fornecimento do bem ou serviço; o segundo
relaciona-se a causa e objetivos contraprestativos deste
fornecimento.
Há um terceiro
requisito eventualmente mencionado na doutrina e jurisprudência,
embora seja bastante controvertido. Ele concerne à amplitude da
onerosidade do fornecimento perpetrado.
Da habitualidade do fornecimento
No tocante ao
primeiro requisito, habitualidade do fornecimento, a
jurisprudência já pacificou que o fornecimento do bem ou serviço
tem de se reiterar ao longo do contrato, adquirindo caráter de
prestação habitual, para que se confira à conduta o caráter de
pagamento salarial. A efetivação meramente esporádica do
fornecimento (isto é, uma concessão meramente eventual) não gera
obrigação contratual ao empregador.
Caráter contraprestativo do fornecimento
Quanto ao segundo
requisito, caráter contraprestativo do fornecimento, é
preciso que a utilidade seja fornecida preponderantemente com o
intuito retributivo, como um acréscimo de vantagens
contraprestativas ofertadas ao empregado. Se as causas e objetivos
contemplados com o fornecimento forem diferentes da ideia de
retribuição pelo contrato (contraprestação, portanto), desaparece
o caráter salarial da utilidade ofertada.
Nesse quadro, não
terá caráter retributivo o fornecimento de bens ou serviços feito
como instrumento para viabilização ou aperfeiçoamento da
prestação laboral. É claro que não se trata, restritivamente,
de essencialidade do fornecimento para que o serviço possa ocorrer;
o que é importante, para a ordem jurídica, é o aspecto funcional,
prático, instrumental, da utilidade ofertada para o melhor
funcionamento do serviço. A esse respeito, já existe clássica
formula exposta pela doutrina, com suporte no texto do velho art.
458, paragrafo segundo, da CLT (hoje, art. 458, paragrafo segundo, I,
da CLT): somente terá natureza salarial a utilidade fornecida
pelo trabalho e não para o
trabalho.
Nessa linha, não
consistirá salário-utilidade o bem ou serviço fornecido pelo
empregador ao empregado como meio de tornar viável a própria
prestação de serviços. É o que se passa, por exemplo, com a
concessão de alimentação em trabalho em plataformas maritímas ou
em frentes de trabalho situadas em locais inóspitos ou longínquos.
Também não
consistirá salário-utilidade o bem ou serviço fornecido como meio
de aperfeiçoar a prestação de serviços. É o que se verifica com
o fornecimento de curso de informática ao empregado, se necessário
ao serviço; ou o fornecimento de veículo ao obreiro, para serviço
de vendas externas, etc.
Na mesma medida,
também não constituíra salário-utilidade o bem ou serviço
ofertado em cumprimento de dever legalmente imposto ao empregador,
como é o exemplo o fornecimento de vale-transporte.
Da onerosidade unilateral da oferta da utilidade no contexto empregatício
Quanto ao terceiro
requisito, qual seja, da onerosidade unilateral da oferta da
utilidade no contexto empregatício, a jurisprudência, o
considera conduta técnico-jurídico extremamente controvertida.
Esse requisito seria
expresso pela seguinte fórmula: fornecimento da utilidade com
onerosidade unilateral pelo empregador, sem participação econômica
obreira. À luz desse entendimento, o pacto de oferta do bem
teria de ser do tipo gracioso, isto é, suportado por apenas uma das
partes contratuais, o empregador. É que se a concessão da utilidade
proceder-se mediante contraprestação econômica do empregado (ainda
que subsidiada), ela deixará de ter caráter estritamente
contraprestativo, no tocante a este trabalhador. Desse modo,
utilidade recebida pelo empregado em decorrência de certo pagamento
(ainda que pequeno) afastar-se-ia da configuração do salário in
natura.
Em síntese, apenas
teria caráter de parcela salarial a utilidade ofertada sob exclusivo
ônus econômico do empregador. É que somente nesse caso ela teria
efetivo caráter contraprestativo, não resultando de um pacto adjeto
em que o próprio trabalhador comparecesse com uma contraprestação
econômica pela oferta do bem.
É necessário,
entretanto, reiterar-se que a validade deste suposto requisito tem
sido bastante questionada por parte expressiva da doutrina e
jurisprudência. São dois os principais argumentos contrários a tal
requisito: em primeiro lugar, a circunstância de ser imperiosa a
própria tipificação do requisito, uma vez que não se sabe até
que ponto o montante de pagamento obreiro poderia significar efetiva
participação do trabalhador nos custos do fornecimento da
utilidade, e não mera simulação trabalhista. Em segundo lugar, a
circunstância de a adesão do trabalhador a esse pacto acessório de
fornecimento da utilidade subsidiada poder ser fruto de
contingenciamento da vontade do empregado no contexto da relação
empregatícia.
Do papel da norma jurídica concessora da utilidade
Esclareça-se a
respeito da caracterização do salário utilidade, finalmente, em
ultimo relevante aspecto: a norma jurídica (não a cláusula
contratual) pode fixar – desde que inequivocadamente - natureza
jurídica não salarial para uma utilidade fornecida.
A norma jurídica
contida em lei, instrumento normativo coletivamente negociado ou
sentença normativa pode negar caráter salarial a serviço ou bem
que estipula poder (ou dever) ser ofertado pelo empregador ao
empregado. Assim, estipulando a norma jurídica, não há como
retirar-se validade à natureza não salarial da utilidade fornecida.
Entretanto, é
preciso que fique bem clara a presente situação de exceção: a
norma jurídica tem de esterilizar , naquele especifico caso, a
incidência do tipo legal padrão do salário-utilidade. Inexistindo
esse sentido esterilizador na norma jurídica instituidora da parcela
(sentido expresso ou, pelo menos, inequívoco), a utilidade ofertada
deverá ter sua natureza jurídica apreendida segundo as regras
gerais justrabalhistas acima enunciadas – assumindo, pois a
natureza salarial, caso estejam presentes em sua configuração os
requisitos já analisados.
Jurisprudência
Em pequisa ao site
do Tribunal Superior do Trabalho, constatei que há entendimentos
divergentes quanto a natureza do benefício.
JURISPRUDÊNCIA
FAVORÁVEL
TST AFASTA
CARÁTER SALARIAL DE CAFÉ MATINAL OFERECIDO POR EMPRESA
Fonte:
Notícias TST - 08.11.2005
A Quarta Turma do
Tribunal Superior do Trabalho afastou o caráter salarial do café
matinal oferecido pela Agip do Brasil S/A a empregados. A Turma
adotou nova orientação sobre os casos em que o empregador concede
alimentação e efetua desconto salarial irrisório para custeá-la.
Sob esse novo entendimento, a Turma tem considerado que qualquer
contribuição do empregado, ainda que ínfima, é suficiente para
afastar a natureza salarial da parcela.
No caso julgado,
a Agip descontava do salário de um entregador de botijões de gás
um centavo de real por mês por lhe fornecer todas as manhãs um copo
de café com leite e um sanduíche. Na ação trabalhista que moveu
contra a empresa após ser demitido sem justa causa, o trabalhador
pediu, entre outros itens, que o valor do café matinal (R$ 1,80 por
dia, segundo sua própria estimativa) fosse computado em seu salário
para todos os efeitos e reflexos legais.
Segundo o
ministro Antonio José Barros Levenhagen, decisões judiciais que
apontam o caráter salarial de benefícios acabam servindo de
desestímulo ao empregador. “Se o empregador fornece o café da
manhã, corre o risco de ver o benefício transformar-se em salário
direto. Se efetua um desconto irrisório no salário do empregado
para custear o benefício, pode ser acusado de estar fraudando a CLT.
Com isso, vai desistir de conceder qualquer benefício”, salientou
Levenhagen.
O pedido do
entregador de botijões de gás foi rejeitado em primeira instância.
Na sentença da 2ª Vara do Trabalho de Canoas, o juiz concluiu que,
embora em valor ínfimo, o empregado também custeava o benefício,
que representa uma vantagem para quem trabalha cedo, não sendo
razoável onerar o empregador por concedê-la. A sentença foi
reformada nesse ponto pelo TRT do Rio Grande do Sul (4ª Região).
O TRT/RS
determinou que o valor do café da manhã fosse integrado ao salário
do trabalhador por considerar caracterizado salário in natura, uma
vez que o desconto mensal de um centavo revelaria, tão somente, a
intenção da Agip de afastar a previsão legal (artigo 82 da CLT),
fraudando um direito. O dispositivo celetista estabelece a fórmula
para cálculo das parcelas do salário pagas in natura.
Ao reformar a
decisão regional, a Quarta Turma do TST considerou que a concessão
da alimentação não foi ônus econômico exclusivo do empregador, o
que a desfigura como salário in natura. De acordo com o ministro
Levenhagen, a utilidade recebida pelo empregado implicou desconto de
seu salário, sendo irrelevante que tenha sido ínfima a participação
do empregado, pois o dispositivo legal não faz tal distinção. (RR
96190/2003-900-04-00.5)
JURISPRUDÊNCIA
DESFAVORÁVEL
"SALÁRIO IN
NATURA - DESCONTOS IRRISÓRIOS - NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA
SALARIAL. O desconto irrisório, ínfimo, no salário do empregado, a
título de alimentação, é incapaz de descaracterizar a natureza
salarial da parcela in natura, notadamente porquanto tal expediente
denota a exclusiva intenção do empregador de impedir sua
repercussão em outras parcelas a que faz jus o trabalhador, o que
esbarra no artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido."
(RR-934-05.2011.5.09.0322, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva,
2ª Turma, DEJT 06/03/2015)
"ALIMENTAÇÃO
FORNECIDA PELO EMPREGADOR MEDIANTE DECONTO IRRISÓRIO NO SALÁRIO DO
EMPREGADO. SALÁRIO IN NATURA. NÃO CONFIGURAÇÃO. O desconto
irrisório procedido no salário do empregado é insuficiente para
descaracterizar a natureza salarial da alimentação fornecida,
demonstrando, ao revés, procedimento tendente a impedir a aplicação
dos arts. 457 e 458 da CLT." (RR-174800-19.2008.5.09.0594, Rel.
Min. João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, DEJT 05/08/2011)
"SALÁRIO
UTILIDADE. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO. DESCONTO ÍNFIMO. Esta Corte tem
firmado o posicionamento de que o desconto ínfimo no salário do
empregado, a título de alimentação, não descaracteriza a natureza
da parcela. Precedentes. Não conhecido." (RR -
2127700-62.2007.5.09.0014, Rel. Min. Emmanoel Pereira, 5ª Turma,
DEJT 19/08/2011)
Do Benefício Café da Manhã fornecido pela Empresa
Diante
de todo o exposto, com relação ao benefício “café da manhã”
fornecido pela empresa aos seus empregados, temos algumas
considerações a fazer.
No
intuito de evitar a caracterização como salário in natura,
uma alternativa seria a negociação do benefício em instrumento
coletivo aplicável à categoria, com a previsão de caráter
indenizatório ao mesmo.
Outra
alternativa, seria a cobrança de contraprestação econômica pelo
benefício ao empregado, em valor que não pode ser ínfimo, como
exemplo a cobrança de R$ 0,01 (um centavo) por lanche,
descaracterizando a onerosidade unilateral da utilidade. Destaca-se
que o empregado terá que autorizar o desconto em seu salário para o
fornecimento da utilidade.
Por
fim, cumpre observar que a previsão em negociação coletiva e/ou
regulamento interno somente abrangeria os novos empregados, conforme
súmula 51 e OJ 413 do TST
SÚMULA
Nº 51 DO TST. NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO
REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT.
I
– As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens
deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos
após a revogação ou alteração do regulamento.
II
– Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção
do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às
regras do sistema do outro.
OJ
413 SDI-1. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. ALTERAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA.
NORMA COLETIVA OU ADESÃO AO PAT. A pactuação em norma coletiva
conferindo caráter indenizatório à verba ―auxílio-alimentação‖
ou a adesão posterior do empregador ao Programa de Alimentação do
Trabalhador — PAT — não altera a natureza salarial da parcela,
instituída anteriormente, para aqueles empregados que,
habitualmente, já percebiam o benefício, a teor das Súmulas nos
51, I, e 241 do TST.
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