O Café com Trabalho é um blog informativo e opinativo, voltado principalmente ao operador do direito que atua na área trabalhista, bem como aos que pretendem ingressar em carreiras trabalhistas e aos que atuam na área de recursos humanos. É uma grande oportunidade de compartilhar conhecimentos, objetivando sintetizar estudos aprofundados em direito e processo do trabalho, bem como comentários sobre as principais decisões do TST.


terça-feira, 29 de setembro de 2015

Possibilidade de alteração das condições do plano de saúde pelo empregador

1. INTRODUÇÃO





O fornecimento do plano de saúde feito pelas empresas faz parte do poder diretivo do empregador, ou seja, é opção da empresa fornecer ou não o plano de saúde aos seus trabalhadores. Essa é a regra.


As exceções poderão estar previstas nos instrumentos coletivos da categoria e nos regulamentos internos das empresas a quais as partes da relação de emprego são signatárias.



2. PRINCÍPIO DA INALTERABILIDADE CONTRATUAL LESIVA X PRINCÍPIO JUS VARIANDI


Pelo princípio da inalterabilidade contratual lesiva, também chamado de “imodificabilidade” nenhuma condição de trabalho pode ser modificada de forma unilateral, de modo que nos contratos de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. Nesse sentido o artigo 468 da CLT, in verbis:


Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia (grifo nosso).”


Assim, as alterações do contrato de trabalho por vontade comum das partes são válidas (mútuo consentimento), desde que não causem prejuízo (direto ou indireto) para o empregado, sob pena de ser declarada nula a alteração pactual.


No mesmo sentido caminha a Súmula 51 do TST, editada nos seguintes termos:


51 - NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ARTIGO 468 DA CLT. (INCORPORADA A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 163 DA SDI-1)
I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.


Eis que a doutrina, em oposição ao princípio legal da imodificabilidade das condições de trabalho, elaborou o princípio do jus variandi, o qual pode ser enunciado como sendo o direito do empregador, em situações excepcionais, de efetuar alterações unilaterais nas condições de trabalho dos seus empregados.


Veja que não é o contrato de trabalho que se altera, mas suas condições ou suas cláusulas.


O jus variandi possui duas facetas diferenciadas em virtude da origem da autorização que o empregador tem para modificar as condições laborais e da profundidade que essas modificações podem operar no panorama da prestação obreira. Trata-se do jus variandi ordinário e o extraordinário.



Em magnífica síntese sobre as duas vertentes do jus variandi, Alice Monteiro de Barros os definiu como sendo o:



O jus variandi ordinário trata-se de desdobramento do poder diretivo da atividade empresarial em regular ou suprir aspectos secundários da relação trabalhista que não foram regulados pelo contrato ou pela lei, é liberdade dada pela própria lei ao ficar silente deixando tal matéria ao arbítrio empresarial.


Como por exemplo, a obrigatoriedade do empregado utilizar uniforme na execução de suas atividades. A lei não fala sobre a (im)possibilidade do empregador exigi-lo, mas como se trata de aspecto secundário da prestação laboral, que normalmente não tem o poder de alterar profundamente o trabalho desenvolvido pelo obreiro, o empregador tem liberdade para a seu bel-prazer estipular essa necessidade se assim entender por bem, é claro que isso não permite ao mesmo estipular obrigações que venham a ferir a dignidade do obreiro, ou ridicularizar o mesmo.


Já na segunda parte de sua afirmação, Alice Monteiro de Barros explana acerca do extraordinário. Vertente do poder diretivo e organizacional que diz respeito às mudanças unilaterais das condições do contrato de trabalho desde que autorizadas pela lei. Temos aí uma característica ímpar do jus variandi extraordinário com relação ao ordinário, este pode vir expresso na lei, ou não disciplinado por ela dá a liberalidade ao empregador. Enquanto aquele (o extraordinário) vem sempre expresso pelo ordenamento jurídico, seja na CLT, em leis esparsas, súmulas como as 295 e a 372, ambas do TST, ou até mesmo em Orientações Jurisprudenciais, como a OJ 159, da SBDI -I(grifo nosso).


Como se trata de permissões positivadas pela legislação trabalhista, se presume que elas estejam sempre expressas no contrato de trabalho, e portanto se trata de uma substituição de normas, onde já havia disposição contratual acerca do tema e o empregador em virtude de seu jus variandi extraordinário tem a possibilidade de alterá-las validamente. Como exemplos desse poder temos o caso da reversão permitida pela Súmula 372, I, do TST, a mudança de turno de trabalho do obreiro determinada pelo empregador para adequar a novo horário de funcionamento das atividades empresariais.



Vê-se com isso que o jus variandi apresenta uma gama de aplicabilidade bastante extensa, podendo ir desde simples alterações secundárias na forma da execução dos trabalhos até profundas alterações no panorama obreiro como ocorre na reversão.”



3. NATUREZA JURÍDICA DO PLANO DE SAÚDE NO CONTRATO DE TRABALHO


A Lei 10.243, de 19 de junho de 2001, alterou o artigo 458 da CLT, e fez inserir o parágrafo segundo, escrito nos seguintes termos:


§ 2º Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador:
IV - assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde;”


A partir dessa mudança de orientação houve uma cisão na doutrina e na jurisprudência, sendo que a maioria vem entendendo que a concessão de assistência médica pela empresa tem caráter eminentemente assistencial, não possuindo natureza salarial, ou seja, não faz direito adquirido, podendo ser fornecido de acordo com os interesses, possibilidade e prerrogativas empresariais.


Após a edição da Lei 10.243/2001 vem ganhando força corrente que tem como base de sustentação a premissa de que a concessão de convênio médico, por mera liberalidade empresarial, ou mesmo previsto em norma coletiva, não integra o contrato individual de trabalho para todos os efeitos legais, isto é, não tem natureza de contraprestação pelo serviço prestado, mas sim meramente assistencial, não fazendo desse modo, direito adquirido.


A partir desse entendimento, é possível concluir que a empresa pode, sem consulta aos empregados, e sem consentimento, de forma unilateral, modificar a operadora in pejus, dividir os custos, alterar as condições pré-estabelecidas, ou até mesmo cancelar o benefício do convênio médico de seus empregados, uma vez que o benefício não possui natureza salarial e não integra o contrato de emprego para todos os fins.


Neste sentido colaciona-se jurisprudência favorável à corrente, in verbis:


SUBSTITUIÇÃO DE PLANO DE SAÚDE EMPRESARIAL Não há como reconhecer ao trabalhador o direito adquirido à usufruir um específico plano de saúde, pois ensejaria, via reflexa, a obrigação da empresa de manter um contrato permanente com o plano de assistência médica originalmente contratado, o que afronta o poder diretivo do empregador. Por óbvio, o Poder Judiciário não pode interferir nos limites normalmente aceitos como decorrência do poder diretivo do empregador - mais especificamente o poder de organização - que, assumindo os riscos do seu empreendimento, dirige e coordena o seu empreendimento empresarial visando a obtenção de melhores rendimentos. Na hipótese em exame, a empresa migrou o trabalhador e todos os seus dependentes para o plano Sulamérica, contratado em substituição ao anterior, não se vislumbrando em tal conduta, nenhuma ofensa à boa-fé objetiva, como alega o recorrente.
(...)
Trecho da Fundamentação

Insurge-se a parte autora contra a r. decisão que julgou improcedente o "pedido de manutenção do plano de saúde original ou outro com cobertura idêntica.

Argumenta que "a alteração do plano, com a mudança de categoria e a menor abrangência de serviços feriu a cláusula geral de boa-fé objetiva, na qual , impõe deveres de conduta leal aos contratantes e funciona como um limite ao exercício abusivo de direitos.
(...)
Entendo, como bem decidiu o MM Juízo de origem, que não há como reconhecer ao trabalhador o direito adquirido à usufruir um específico plano de saúde, pois ensejaria, via reflexa, a obrigação da empresa de manter um contrato permanente com o plano de assistência médica originalmente contratado, o que afronta o poder diretivo do empregador.
Por óbvio, o Poder Judiciário não pode interferir nos limites normalmente aceitos como decorrência do poder diretivo do empregador – mais especificamente o poder de organização - que, assumindo os riscos do seu empreendimento, dirige e coordena o seu empreendimento empresarial visando a obtenção de melhores rendimentos.

Na hipótese em exame, a empresa migrou o trabalhador e todos os seus dependentes para o plano Sulamerica, contratado em substituição ao anterior, não se vislumbrando em tal conduta, nenhuma ofensa à boa-fé objetiva, como alega o recorrente.
Nego provimento.
TRT-1 - RO: 4580320125010015 RJ , Relator: Evandro Pereira Valadao Lopes, Data de Julgamento: 26/06/2013, Sétima Turma, Data de Publicação: 12-07-2013)”


Importante trazer a baila que também há entendimentos no sentido de ser considerada ilícita a alteração unilateral de troca ou modificação das condições contratuais relativas ao plano de saúde, in verbis:


PLANO DE SAÚDE. ALTERAÇÃO CONTRATUAL ILÍCITA. Comprovada a concessão de plano de saúde ao longo de todo o contrato de trabalho, a contratação de um novo plano, com carência, e participação do empregado em valores superiores ao anterior, constitui alteração unilateral ilícita, visto ser prejudicial ao reclamante, caracterizando-se ofensa à regra disposta no art. 468 da CLT. Processo: 01058-2008-050-01-00-7 – RO.2ª Turma. Relator: Aurora de Oliveira Coentro. Recorrente, ONFOGUIAS EDITORA S.A. Recorrida: ANA MARIA REIMOL DA COSTA.



4. DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA


O caso sob análise traz outro debate bastante polêmico, quanto ao princípio constitucional da isonomia, ou seja, quando o empregador decide fornecer plano de saúde deve fazê-lo para todos os seus empregados a fim de evitar a configuração de tratamento discriminatório.


Embora o princípio da isonomia de tratamento se aplique ao contrato de trabalho, isso não significa que o empregador não possa disponibilizar aos empregados planos diferenciados dependendo da posição hierárquica que cada um ocupa no organograma da empresa.


O que é importante, para não configurar tratamento discriminatório, é que a cobertura da assistência (procedimentos cobertos) seja igual para todos os empregados, podendo a rede credenciada ser diferenciada (hospitais, clínicas, etc).


O empregador também não pode oferecer plano de saúde melhor para um empregado e um pior para outro que exerce a mesma função ou ocupa cargo do mesmo nível hierárquico, como por exemplo, gerentes de setores diferentes.


A forma de custeio da mensalidade e a co-participação, se houver, devem ser iguais para todos os empregados (grifo nosso).


É comum que os executivos de uma empresa sejam agraciados com um seguro saúde mais caro de uma seguradora e os demais empregados com plano de saúde mais em conta de outra operadora, não só porque a empresa não teria como atrair altos executivos oferecendo um plano básico, como também porque se oferecer um plano mais caro tornará o benefício inacessível aos trabalhadores mais pobres, nas hipóteses em que há participação dos trabalhadores no custeio da mensalidade.


Enfim, o que deve ser observado é que empregados que exercem as mesmas funções ou estão no mesmo patamar hierárquico, tenham acesso ao mesmo tipo de plano de saúde para não configurar discriminação.


Nesse sentido, o seguinte julgado:


"PLANOS DE SAÚDE DIFERENCIADOS E PAGAMENTO DE PRÊMIO ANUAL. Verifica-se que o Regional com base na prova considerou que os prêmios são devidos àqueles que se destacavam dentro de cada gerência e que os planos de saúde podem ser distintos em razão dos cargos exercidos. Nesse contexto, em que o Regional solucionou a lide com base no contexto da prova, atento à sua quantidade e/ou qualidade, sua decisão está diretamente ligada ao princípio do livre convencimento consagrado no artigo 131 do CPC, e não no princípio distributivo do ônus probandi (artigos 818 da CLT e 333 do CPC). Intactos, pois, os artigos 333, I, do CPC e 818 da CLT. Também não prospera a alegação de ofensa ao princípio da igualdade, uma vez que houve tratamento diferenciado para situações também diferenciadas, visto que o plano de saúde era concedido conforme o cargo, bem como o prêmio era concedido de acordo com a produtividade de cada um dentro das gerências. Agravo de instrumento não provido. (TST; AIRR 4667-04.2010.5.02.0000; Quarta Turma; Rel. Min. Milton de Moura França; DEJT 17/06/2011; Pág. 1045)



REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 8ª edição. Editora LTr. São Paulo. 2012.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 28 edição. Editora Atlas. São Paulo. 2012, p. 337-338.

SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho: versão universitária. 5ª edição. Editora Método. São Paulo 2012.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8 edição. Editora LTr. São Paulo. 2009.